sexta-feira, 21 de maio de 2010

Carol, Carol, Carol...


(Clique na imagem para ampliar).

Vamos corrigir? É Caroline e não Carolina.

De dia a gente soltava pipa na rua Abaúna ou no campinho de trás. Cerol fino e gilete na rabiola. Da dança das pipas de dia aos passos de dança de noite. Eu tinha sido charmeiro. Muitos anos antes, no Grêmio Recreativo Ricardense, a galera se encontrava para dançar. Era charme, muito charme, black music. E o Seu Jorge tinha vivido isso, eu sabia e me simpatizava com essa nossa contemporaneidade. A contemporaneidade do charme.

Seu Jorge ainda fazia parte do Farofa Carioca, a banda criada em março de 1997 que animou o Largo das Neves. Aquela mistura de samba, reggae, jongo, funk e rap que os caras faziam me deixava excitado. Porque misturar é fácil. Agora, misturar e sublimar a mistura são outros quinhentos. E fazendo bem, foi assim que, em 1998, o grupo lançou seu primeiro álbum pela Polygram.

E foi nessa época também que a minha história com a Carol começou, quando ela ainda tinha 18 anos não fazia a mínima idéia da minha fugiente existência. É essa multiplicidade do universo que fazem pessoas que não se conhecem viverem em mundos distintos. Mas são tantos e tantos mundos, que os choques entre eles e suas vidas são inevitáveis. Eu já sabia que estava em rota de colisão... e o mundo da Carol cruzaria e se confundiria com o meu, um dia.

Era um final de semana, não lembro se sábado ou domingo, mas recordo-me claramente de como tudo aconteceu. E aconteceu no Bar do Mineiro, depois que subi o morro e estacionei em Santa Teresa, o Montmartre carioca, o reduto do Farofa.

Eu queria ficar só, beber umas cervejas, fumar uns cigarros, comer pastéis de feijão. Eu queria ficar só mas queria a multidão ao meu redor. Em Santa Teresa a gente pode. Essa permissão que nossos vizinhos de mesa de bar nos dão é o genuíno respeito pelo quase conviva. É respeito puro.

(Vivi isso anos antes, no Tube, depois Alfacinha, da Presidente Backer. Lá, eu lia Friedrich Wilhelm Nietzsche enquanto ouvia alto The Cure e bebia cerveja. Era um mundo desconhecido por trás do muro alto com portão de madeira com mola para quem não frequentava o Tube. Pra mim não.)

Descolei o rótulo da garrafa e colei no copo americano. Acendi o cigarro e dei um trago como se fosse o último de um condenado diante do pelotão de fuzilamento. Recuperado após alguns segundos de tontura, bebi toda a cerveja do copo. Enchi de novo e olhei para a rua. A tarde estava quente e muitos habitués bebiam na calçada. Senti a testa úmida de suor.

Percebi o pessoal do Farofa na mesa ao lado e essa influência musical no lugar me acendeu um desejo de criar. Não foram poucas as vezes que um guardanapo e uma Bic fizeram a minha alegria como se fossem um papiro de linho e uma pena de ouro. Mas aquele quase imperceptível desconforto da pequena mesa com tampo de mármore me desencorajou. Não é mesmo bom fazer anotações em guardanapo sobre mesa com tampo de mármore nu. Se ao menos tivesse uma toalha de papel... mas não.

Diante da minha incapacidade de decorar frases, preocupado por não recuperar, depois, a inspiração, anotei no papel: Carol. Exatamente assim. Simplesmente Carol. O nome surgiu na minha cabeça como aqueles vagalumes que surgem quando fechamos os olhos e massageamos as pálpebras. Com o nome no papel, fiquei tranquilo. Mais tarde, quem sabe um soneto? Mais tarde, quem sabe?...

Pedi mais uma cerveja e acendi outro cigarro, que estalou no primeiro trago. Me queimei com o carvão do fósforo já apagado e xinguei mentalmente. Mas logo sorri, tão grande era a minha satisfação pelo que vivia naquele momento e por ter podido registrar o tema da minha arte: Carol.

Comecei a brincar com caixa de fósforos sobre a mesa. Girava, girava, girava. Então comecei a fazê-la de pandeiro e... batuquei. Timidamente, batuquei. Baixinho, quase que só com um movimento de lábios, cantei: Carol, Carol, Carol... Empolgado, repeti algumas vezes o estribilho. Mas os versos não vinham e fiquei no Carol, Carol, Carol... Então, de repente: Caroline é uma menina bem difícil de esquecer... Sorri de novo e batuquei na caixa. E cantei: Caroline é uma menina bem difícil de esquecer...

Olhei para o lado e vi que o pessoal do Farofa me observava. Sorriram, fizeram que sim com a cabeça e comentaram: continue! Corei, bebi, fumei. Desci o morro, atravessei a ponte e estacionei meu Uno CS em algum lugar de Niterói.

Um tempo depois descobri que eles não entenderam o que eu cantava. Eu cantava o futuro. Eu cantava Caroline. Eu cantava CAROLINE e não Carolina. Carol, Carol, Carol...

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