Mais um janeiro em minha vida. Mesmo considerando todas as dificuldades, os percalços de todos esses anos, a conclusão a que chego é que é muito bom estar vivo.
Na sexta-feira, primeiro dia desse 2010, almocei lagosta grelhada. A carne tem sabor suave e o perfume nos remete ao fundo do mar. Mas o grande sabor, que trago desde a infância, é do arroz e feijão bem temperados com ovo frito com gema mole. Arroz da venda, feijão do quintal e ovo colhido no pé... da galinha, tão logo por ela posto. E como toda hora era hora de sobremesa, no final do dia, laranja cravo ou carambola azedinha do pomar. Tão simples, tão bom. Amendoim verde antes do sol do meio dia. Milho cozido no café da manhã. Conheci pipoca não antes dos 8 anos de idade... não ligo para milho ou derivados. Nao sou da geração fandangos. Às vezes me pergunto o motivo e não encontro resposta, já que sempre fui fã ardoroso de jiló, vagem, bertalha, taioba e chuchu. Por que de milho não?
Outro sabor inesquecível é o do primeiro beijo. Wanda era seu nome. O segundo também não esqueço. Luciene. O último foi de uma amiga que agora manda-me beijos virtuais, do outro lado do Atlântico. Foram somente beijos. Mas fico intrigado com essa característica que têm alguns fatos de nunca serem apagados da nossa memória. Quer apostar como vai aparecer alguém tentando explicar, como se preciso fosse?
A minha última chupeta perdi em um monte de lenha, devidamente empilhada, esperando a vez de arder na fornalha da usina de farinha, a bolandeira. Ainda lembro do sabor da borracha já melada pelo uso. Às vezes penso que essa perda marcou a minha transição entre criança e homem feito. Pulei da chupeta para a enxada e o facão na cintura. O melhor brinquedo era o arado. A melhor hora era a de levar os cavalos para beberem água no brejo. Enquanto o tempo passava, eu admirava o balé das lavadeiras, que batiam freneticamente suas asas quase transparentes. Nessa mesma época nasci para o sexo. Eu queria fazer como o cavalo, como o touro, como o nosso barrão. Eu queria cobrir todas as fêmeas que estavam ao meu alcance. Mas, não para todas eu dava altura. Ia até onde eu podia.
Lampião era o nosso cão. Um puma negro com uma cruz branca no peito. Ficou danado, como dizia minha avó. Teve raiva, babava e foi sacrificado no tiro. Sobrou uma poça de sangue na porta da cozinha da nossa casa. Um sangue que me chocou, eu já acostumado a ver a galinha com o pescoço sangrando na caneca esmaltada, caneca verde-musgo, meio descascada. Eu já acostumado a ver o boi sendo abatido com um único golpe de facão no pescoço e depois sendo despedaçado, expondo a pança cheia de capim ainda fresco. Mas lampião era nosso cão, nosso querido cão negro como a noite.
Traíra ensopada no almoço de domingo ou cará frita durante a semana. Bagre também, como frango d'água. Esses sabores ainda não se apagaram, 40 anos depois. Também não o dos pedacos moles da base do capim que eu mordia na hora do descanso das enxadadas. Também não o azedo das araçás e o doce das pinhas caroçudas.
Minha avó era mulher dura, de mãos calejadas e de carinho doce e sincero. Não acaba em mim o sabor do carinho da minha falecida Maria. Da Maria que me dava lambadas e que me amava como nunca amou alguém que me tenha passado as mãos na cabeça. A minha Maria.
São os melhores sabores da minha vida, os da primeira infância. E agradeço que me seja permitido sentir os sabores de 2010.
São os melhores sabores da minha vida, os da primeira infância. E agradeço que me seja permitido sentir os sabores de 2010.
2 comentários:
Adoro as lembranças da minha infância!!! Bjs
Marcinho, hoje que estou lendo seu Blog (depois do soneto que vc me mandou, me deu vontade de reler suas obras). Amigo o que vc escreve, sempre me emociona, você me faz viajar em seus textos, eu cheguei a sentir o cheiro, o gosto, e ouvir cada palavra sua. Não tem coisa mais gostosa que relembrar a infância, a melhor fase da vida, vivi cada momento até hoje, mas da infância quero relembrar cada minuto.
Me lembrei da casa da minha vó, rsrs, subir em árvore e soltar cafifa, adorava...nós temos histórias para relembrar.
Bjss, amado amigo!!
Postar um comentário